sentados na mesa da cozinha
um de frente para o outro
olham-se
a mesa posta para dois, café da manhã
sábado
café da manhã de sábado para dois
pães, bolos, queijo, geléia, leite
café
silêncio
com sede água
com fome pão
suco, requeijão
café
passa a faca com cuidado
nada pode ferir o equilíbrio que o silêncio forja
a ausência da palavra
o rádio desligado
nada para ser dito
tudo em seu lugar
garfo, faca, colher, manteiga e prato
migalhas no chão caem respeitosas
caem como a neve cai quando neva em algum lugar mais frio longe dali
caem lentamente uma por uma sobre as outras
formam um tapete de resto por debaixo dos chinelos de sábado
mas café da manhã de sábado é diferente
tem goiabada comprada na feira
cascuda, vermelha e azeda
tem silêncio
tem falta do que dizer
tem aquela calma que a gente nunca sabe se é de paz ou de tédio
e eu tenho medo de sentir constrangimento quando estou vazia diante de alguém importante como você num sábado de manhã sentada numa mesa de café cheia de comida boa
e é tanta coisa que sinto antes desse medo que agora fico aqui sozinha enrolada num edredon 50% poliester
50% algodão pensando que não devo conhecer pessoa que saiba ser feliz
devia ser mais simples
o café
a água, suco de caixinha
você de frente para mim
o rádio desligado
em silêncio você passando a manteiga no meu pão
eu ofereceria mais um pouco de açúcar só com um gesto
agradeceria com os olhos sorrindo
minha mão alisando a sua
nada para ser dito
migalhas caindo em câmera lenta
um sabor gostoso de queijo com geléia
você me passa o leite
eu aqueço, chocolate, mexo
tomo
te ofereço
e você me agradece com um beijo
e isso é 100% bom se eu tivesse coragem e você paciência
seria calmo e excitante como Paris no século XX
em qualquer dia da semana em qualquer lugar no mundo tomando café da manhã, nós dois
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