quinta-feira, 27 de agosto de 2009

filme de hoje:

cena 1:
acorda assustada, lava o rosto, come uma banana e se prepara pra correr (está se sentindo gorda, fraca e pálida. pensa em ir à praia, mas não confia no sol)
cena 2:
escuta jazz enquanto fixa os olhos nos números das calorias perdidas, não chega a 90 e está desesperada, segura firme nos braços do aparelho da academina, parece ter medo de fazer a coisa sair pela janela ou de desmaiar
cena 3:
alonga debaixo da água quente do banho, disfarça pra si mesma um choro, usa 4 sabonetes diferentes, mas hoje, só tinha o de lavar calcinha!
cena 4:
se lembra que não tem mais computador, dinheiro, namorado,carteira de motorista, de estudante, então gira a própria sorte quando enche o peito de ar e de uma certa coragem e vai pra luta
cena 5:
com a cara fechada e o resto todo do corpo caminha até um lugar que não tem mais utilidade, parece que esqueceu de lembrar, parece que ligou o automático e saiu da fábrica apertando parafusos no ar, parece que não importa mais o que é real
cena 6:
ainda na mesma calçada perto desse tal lugar que não tem mais importância, ela cruza com um senhor que faz sinal de oi com satisfação e simpatia, sabe que não o conhece, mas retribui, quando se aproxima mais ele estende a mão. ela dá a sua mão pronta pra dizer que sinceramente não o reconhece, então ele pergunta sorrindo: VOCÊ GOSTA DE PASSEAR? o ódio do mundo enfim tomou conta dela que disse NÃO!
cena 7:
chega no tal lugar e vai direto ao banheiro para lavar as mãos, no tempo de cantar duas vezes o PARABÉNS PRA VOCÊ, ela tinha acabado de ler uma entrevista sobre o último filme do Woody Allen no qual um dos personagens acredita ser esse o tempo ideal para se livrar de todas as bactérias e afins
cena 8:
faz cara de quem está indo resolver algo sério, segura uma pasta preta, cheia de documentos e protocolos em branco.
as próximas cenas não devem ter acontecido, pois durante um tempo ela esteve no tal não-lugar sem importância
última cena:
sai do teatro com uma música na cabeça: PARECE FÁCIL, MAS É DIFÍCIL, UM BELO DIA APRENDERÁS! ÁS, ÁS! viu um ator de 25 anos de idade que nunca tinha cantado roubar a cena de um musical com elenco numeroso em talentos. o nome dele é RODRIGO PANDOLFO e ela não o inveja, ela o ama e se assusta com esse ator invisível, pq ele é a imaginação do autor em pessoa! ÁS ÁS! parece fácil, talvez pra ele seja, que confusão! APLAUSOS! e ela vai dormir.
FIM

terça-feira, 25 de agosto de 2009

de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa

saudade de mim

saudade de ter o que escrever, de repente sequei por dentro e molhei tudo por fora
lágrimas desconhecidas
me aborreço com bobagens
me esqueço da coragem
quero ficar muda quero ser surda quero acordar nua quero rua, logo canso quero meu cobertor velho peludo e escuro que guarda meus segredos, meus cabelos, me esconde
quero o silêncio da solidão, o vazio assumido
quero assumir o vazio
quero
no rio escuro onde boia meu corpo desembocar no mar
furiosamente, sem aviso
nessa noite sem estrelas
estão dormindo de mim
sonhando comigo
eu que quase não existo
e que não tenho mais juízo

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

MONOGRAFIA COM ZINCO

que cheiro de lixo! isso me acontece agora! monografia também. no plano real, hiperreal, nos sonhos, no estômago, na pele! clarice, artaud, bergson, ferracini, chama a galera pra me ajudar, é muita citação, não é pra encher linguiça, aliás é com trema? não existe mais! e as normas? esquecendo alguma coisa... subjétil ou subjéctil? não me lembro uma palavra melhor, me dê sinônimos para corpo, para energia, para então, para assim, pára! através, do, pelo, a partir... com o qual no qual me inspirei, me motivei, me comi, nem comi, me ferrei!

domingo, 2 de agosto de 2009

pense comigo:

é tudo normal.
é tudo normal?
é tudo normal!
é tudo normal...

por maior que seja a sensibilidade

talvez pq quanto mais sensível maior o espaço pra aceitar todas as possibilidades do mundo

por maior que seja o coração
ainda assim ele dói
em algum lugar bate ruim
pois ele por maior que seja não é sem fim

PORTAL

o cheiro do passado é violento
piano, resto, cabelo, pó, poeira e vento
algum lugar desses que foram com o tempo
esteve por perto no domingo cinzento
choro por dentro
lamento
lá onde ninguém pode ir
em nenhum momento
lá onde eu invento

ruas sem fim
sem poste
sem morte
vida em preto e branco
30 quadros por segundo
um outro mundo
tenho um ouro no braço
com a lua ilumino o escuro
coração aberto, no meio um buraco
e do outro lado do muro
a cor, a fumaça quente, a desgraça presente.

sábado, 1 de agosto de 2009

uauauau!

ouvindo por aí: "Estou levando a vida como cavalo na parada de 7 de setembro: cagando, andando e sendo aplaudido!"

partidária de qualquer movimento em prol da poesia e de sua importância no cotidiano, dou espaço ao manifesto dos poetas Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão:

Os Desmandamentos, por Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão:

(Este manifesto se rebela contra a banalização indiscriminada da poesia e a palavra aviltada pelos demagogos, e é dedicado aos que julgam que ela não é passatempo de diletantes, mas artigo de primeira necessidade.)

1- Mais uma vez virou moda dizer que a poesia agoniza, ou que a poesia morreu. E de fato ela sempre esteve morta para os não-poetas. E morreu também com Homero, com Dante, com Camões, com Baudelaire, com Drummond e com tantos outros, porque cada poeta é uma via, um beco sem saída. E a poesia é sempre plural: é o lugar dos paradoxos (viva Shakespeare!), do não-senso (viva Lewis Carroll!), mas também é o lugar da verdade. Quanto mais verdadeiro, mais poético, como dizia Novalis. Mesmo quando um poeta faz as suas conficções, acaba em verdades metafóricas. E, nestes desmandamentos, afirmamos que a poesia, quanto mais remorre, mais renasce.

2- É a linguagem que produz a realidade e a poesia. A poesia não tem camisa-de-força conceitual. Aos funcionários públicos da vanguarda, que se acham herdeiros do legado, ela finge que se dá, mas é só o discurso vazio do chefe da repartição.

3- A poesia é um problema sem solução. Felizmente. Ninguém tem a fórmula mágica, ninguém tem respostas para todos. Cada leitor que invente o seu mundo, e o desinvente a seu bel-prazer. Semelhante à culinária, cada qual que ache o seu tempero. Se for significativo, o erro vira estilo. Ou vice-versa.

4- A poesia pode tudo, só não pode ficar prosa ou senhora da razão. O novo não é reserva de mercado, nem nasce a priori. Há que se romper limites, correr riscos, ter lucidez na loucura. Mesmo que seja pelo avesso. (E, cá entre nós, não adianta ficar o tempo todo buscando o absoluto, porque isso já ficou obsoleto. Ao fim de tantos levantes, sejamos, também, irrelevantes.)

5- A poesia não é para quem a escolhe, mas para quem recebe o choque elétrico da linguagem. Não é poder ou privilégio, é um defeito que ilumina. Não vale transporte, não vale refeição, não vale copiar truques ou seguir tutores. Nem apelar, como os demagogos, para o amanhã. Mesmo porque já não há mais Canaã no Deserto dos Sinais.

6- Poema não é cadáver. É um artefato musical que sempre canta, mesmo quando tem horror à música. Quem busca entender o poema apenas cientificamente, dissecando sua morfologia como quem faz uma autópsia, perde a viagem. Conhecê-lo é entrar em seus labirintos, sem separar o corpo de sua subjetividade.

7- Não queremos a poesia prisioneira de uma única arte poética. Seremos clássicos e barrocos; pós-modernos e experimentais. Qualquer tema é e não é poético. Desde os pit-boys de Homero até a aspirina de João Cabral. Com talento, mesmo as formas antigas podem ser recicladas. Sem talento, nem com despacho na encruzilhada.

8- As influências, em geral, são bem-vindas, a não ser quando alijam a voz própria. Há poemas com tantas citações que, se extrairmos o que é dos outros, não sobra bulhufas.

9- Os conchavos e panelinhas fazem parte da natureza humana. Cada grupo tem o direito de inventar os seus heróis, para admirar a própria imagem no seu espelho narcísico. Mas o vôo do poeta é só dele e, sobretudo, da linguagem. A linguagem é o orixá, o poeta é o cavalo do santo. Ninguém é mais do que o que pode ser.

10- O problema da poesia não é só fazer bem feito, mas fazer distinto (no duplo sentido, que implica tanto em diferença, como em elegância). Ela é um exercício vital para manter o vigor da palavra. A poesia não é só questão de verdade, mas de vertigem. Por essas e por outras, é que somos poetas da vertigem: vertigem-linguagem, vertigem-vida.

Último desmandamento:
Pode jogar no lixo todos os desmandamentos anteriores, a não ser que haja sinceridade na poesia. Quem quiser adorar bezerro de ouro, que adore; quem quiser viver de pose, que mantenha sua prose. Mas que haja espaço e fé na poesia. E que ela continue a fabricar futuros, e, como fênix, se destrua e se reconstrua por toda a eternidade e mais um dia.
blog: literatura de DDA para DDA